AS BABÁS E AS AGENTES

PAULO MELO CORUJA NEWS   

Patroas se queixam de salários e de supostos 'caprichos' das funcionárias.
Sindicato nega crise: 'Não está faltando babá, está faltando escravo'.

Paulo SampaioEspecial para o G1, em São Paulo
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arte babás luciene (Foto: Caio Kenji/Editoria de Arte/G1)
arte babás frases (Foto: Caio Kenji/Lucas Frasão/Editoria de Arte/G1)
Sentada em um banquinho na praça Buenos Aires, em Higienópolis, São Paulo, a psicóloga Cláudia Mazure Lopes, 30 anos, conta que está se dedicando a uma nova experiência. Ela virou "head hunter" de babás. Até há pouco, o termo em inglês (pronuncia-se "réd rânter") era usado para designar o profissional que "caçava" executivos qualificados no mercado para recolocá-los em empresas concorrentes. Cláudia trabalha na agência Baby Care, da amiga Bia Greco, 31, que migrou da área de recursos humanos para a de empregados domésticos quando teve o primeiro filho.
Apesar das boas intenções de Cláudia, que carrega na bolsa um livro da lacaniana Françoise Dolto, conhecida por estudar as relações entre a psicanálise e a pediatria, ela diz que já foi chamada várias vezes de "ladra de babás". Tal é a crise nesse mercado.
"Há um mês procuro fazer meu nome girar aqui na praça. Eu me apresento, converso, pergunto se tem referência", conta ela, depois de entrevistar algumas profissionais. "A questão da subjetividade é complicada. A babá cuida dos filhos dos outros, mas e os dela? Quero ver como isso tudo pode contribuir para a minha clínica. Procuro fazer uma observação de campo, como um antropólogo", diz a head hunter, que, para explicar os meandros das relações mãe-bebê-babá, também usa expressões como "quebra narcísica".
As profissionais de branco que brincam com as crianças na pracinha reclamam de ganhar salários médios de R$ 1.500. "A patroa espera que a gente cuide do filho dela como se fosse nosso, que viva a vida da família, que não tire folga, e ainda controla o que nós comemos e paga o salário chorando. Se você não dorme no serviço, ganha menos", conta Maria Lúcia de Oliveira, 34, que ganha R$ 1.800 para cuidar de um bebê de três meses - e dorme na casa.
Entre as patroas, o debate não é menos acalorado. Elas afirmam que os salários das funcionárias estão inflacionados e que, muitas vezes, tem de ceder aos "caprichos" delas para mantê-las em casa.
"A relação com a família deixou de ser afetiva e se tornou meramente comercial. As babás de hoje trocam de emprego como quem troca de roupa. Não têm o menor comprometimento com a casa em que trabalham. A sensação que eu tenho é que, por trás, elas dizem: 'Chegou a nossa vez! Agora, quem vai se divertir com eles somos nós!'", acredita a empresária Cynthia Arantes, que é mãe e abriu há um ano a agência ABC da Casa.
Bia Greco, da Baby Care, pondera: "Muitas mães falam das babás, mas 50% dos problemas estão com elas. Existe muita falta de educação, de respeito e comprometimento por parte da patroa também. Se quer que cuidem bem do filho, é preciso tratar excepcionalmente bem a funcionária", diz.
Ela explica que seu foco "é a educação das mães e das babás para mostrar que ambas têm potencial para melhorar". "Se uma babá está satisfeita em uma casa, se sente respeito, se ela se alimenta bem, tenho certeza de que não sai dali por R$ 200 a mais."
Patroas e funcionárias concordam que o grau de preparo e educação da babá passou por uma mudança considerável. "O nível cultural delas melhorou demais, e a informação corre muito rápido. Elas agora são politizadas, descobriram o que é ter vida pessoal. Isso para nós, patroas, é pior", afirma Cynthia.
Fátima de Jesus Oliveira, 30, que cuida de um bebê de 5 meses e ganha R$ 2 mil, afirma, rindo: "A gente sabe o que é Internet, conhece os direitos e aprendeu a colocar os acentos na hora de escrever. Temos que ganhar melhor".
A babá Eliana Ferreira fotografa a colega Kelly, grávida que fez chá de bebê na praça Buenos Aires (Foto: Caio Kenji/G1)A babá Eliana Ferreira fotografa a colega Kelly,
grávida que fez chá de bebê na praça Buenos
Aires (Foto: Caio Kenji/G1)
Fraldas e ColôniasNo chá de bebê da babá Kelly Ferreira, 23, grávida de seis meses de Igor, as colegas tiram fotos da futura mamãe na pracinha. "De vez em quando vem uma (babá) do interior pra ganhar R$ 600, a gente pega ela num canto e diz: 'Vem cá, minha filha, não seja boba, não vai desvalorizar o salário da gente'. E arruma um emprego para ela ganhar o triplo disso'", diz Eliana Ferreira, 24, que cuida de uma criança de 2 anos.
Cerca de dez babás participam do chá de bebê de Kelly, onde são servidos salgadinhos, bolo de cenoura coberto de chocolate e refrigerantes. Kelly posa ao lado dos presentes, fraldas, colônias para bebê da Natura e xampus da Granado.
Em sua experiência cuidando de duas crianças, Luciene da Silva, 37, também presente ao chá, diz que "muito patrão morre de amores pelos filhos, mas só quando tem visita por perto; quando vão embora, eles logo passam a criança para a gente, dizendo que ela está com sede". "Quem tem amor para dar para criança é o pobre. Rico tem dinheiro", diz.
mapa praça buenos aires (Foto: G1)
Em relação à notícia da brasileira que ganha R$ 27 mil tomando conta de duas crianças em Nova York, mães e babás reagiram de formas diferentes. As primeiras acreditam que seja um caso isolado (ainda que seja, os salários lá ficam entre U$ 3 mil e U$ 4 mil, mais que o dobro dos daqui). Por sua vez, as babás nas pracinhas Buenos Aires e Pereira Coutinho, na Vila Nova Conceição, outro bairro endinheirado da cidade, perguntatam incrédulas: "O que essa mulher tem de excepcional, gente? Quem é o bebê de ouro?".
De acordo com o Sindicato dos Empregados e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo (Sindoméstica), o salário oficial mínimo de uma profissional da área é R$ 690, mas, segundo a presidente da instituição, Eliana Menezes, "ninguém ganha apenas isso". "Se não tiver experiência nenhuma, já parte de R$ 800."
Ela afirma que o salário das babás subiu mais, proporcionalmente, do que o de qualquer outro empregado doméstico. Mas, no entender dela, não há crise: "Não está faltando babá, está faltando escravo".
Procura por babás no Facebook
Para dar uma ideia da dimensão que o problema tomou entre as mães, o debate sobre empregados domésticos cresceu tanto na Agenda Black - como foi chamado no Facebook um grupo integrado por mulheres da elite paulistana -,  que o assunto começou a interferir no verdadeiro objetivo de sua criadora. Segundo a dona de casa Titina Bilton, o grupo nasceu para trocar dicas que iam "desde onde encontrar a melhor bala de coco até o melhor médico de coluna".
"Esse assunto é muito delicado e polêmico. As pessoas entravam na agenda pedindo dicas de empregadas, etc. E elas resolveram criar outro grupo para tirar do foco da Agenda Black, que não tem nada a ver com isso", explica Titina.
Em pouco mais de um mês, o grupo das dissidentes, Empregados & Afins, já conta com 2.000 nomes. "Tivemos que dar uma segurada nas admissões de novos membros, para não perder o controle. Estamos com uma fila de espera de 200 pessoas", diz Silvana Ferraro, que não cobra nada das participantes, nem ganha um tostão para administrar o grupo. "Faço apenas pelo prazer de estar em contato com as pessoas." (Veja entrevista com Silvana no vídeo ao lado.)
Para fazer parte do Empregados & Afins, é preciso obedecer algumas regras:
1) o pretendente deve ser indicado por um membro ou amigo de membro;
2) só é permitido oferecer empregados, nunca pedir; segundo Silvana, como a procura é muito maior que a oferta, "ia virar uma loucura";
3) é proibido colocar o telefone da funcionária (para não virar leilão); os membros interessados em determinado profissional entram em uma fila, a partir da primeira que posta seu interesse.
4) é permitido falar bem dos empregados, mas não mal; para evitar processos.

Segundo Silvana, a babá é o profissional mais valorizado entre os empregados domésticos "porque hoje mais mulheres trabalham fora e, na hora do desespero, sem ter com quem deixar o filho, pagam o que for e relaxam em uma porção de exigências que fariam".
Pessoalmente, Silvana diz que teve sorte com a profissional que cuidou de seus filhos de 15 e 9 anos. "Ela ficou aqui em casa 13 anos. Tratava deles melhor do que eu. Era do tipo que, na folga, ligava de casa para me lembrar de dar a eles o remédio. Só foi embora porque queria adotar uma criança. Mas até hoje é como uma pessoa da família. Acabou de levar o filho para passar um final de semana com a gente no sítio", conta.
O "afins" do nome do grupo se refere a um documento que elas abriram só para dar dicas de legislação trabalhista e indicar outros prestadores de serviços domésticos, como encanador, eletricista, pedreiro, jardineiro e até manicure.
TerrorismoBem antes do Empregados & Afins, outro mutirão de senhoras da sociedade já havia criado o Gatb, Grupo Anti-Terrorismo de Babás, ainda mais fechado, para se proteger da "petulância" das funcionárias e trocar dicas mútuas sobre como fazer em caso de "abuso de direitos".
Com sobrenomes tão colunáveis como Flecha de Lima, Souza Aranha e Vidigal, o grupo começou com 20 pessoas e hoje agrega mais de 100. As participantes não falam com a imprensa. Entre elas, ao contrário do que aconteceu com a Agenda Black, o assunto evoluiu das babás para temas como cabeleireiros, temporadas de esqui em Aspen e veraneios em condomínios do litoral norte. "Help!!", lê-se no campo assunto. E a mensagem: "É necessário pagar feriado??"
Socorro!
carrinhos de babês - babás praça buenos aires (Foto: Caio Kenji/G1)Carrinhos de bebê na Praça Buenos Aires, em São Paulo, com babás ao fundo (Foto: Caio Kenji/G1)