MEMÓRIAS DA REPRESSÃO NO PARANÁ

PAULO MELO CORUJA NEWS
Gilberto Abelha/JL Gilberto Abelha/JL Arno Giesen foi uma das vítimas da ditadura na região de Londrina

Memórias da repressão

Vítimas da ditadura que vivem na região contaram suas histórias para a Comissão da Verdade

 Fábio Silveira
Apucarana. Dia das Crianças de 1975. Pedro Preto decidiu fazer um churrasco para seus filhos – e os amigos deles – para comemorar a data. A garotada gostou, tinha até um sorveteiro distribuindo sorvetes de graça. No fim do churrasco, policiais invadiram a casa e o prenderam. Seu crime era ser membro do MDB, Movimento Democrático Brasileiro, antecessor do PMDB e único partido de oposição permitido pela ditadura militar (1964-1985). Isso aconteceu durante os “anos de chumbo” do regime que tornaram Pedro Preto um dos alvos da Operação Marumbi, a ofensiva da ditadura contra oposicionistas deflagrada em 75, principalmente os ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Apucarana recebeu na semana passada a Comissão Estadual da Verdade, que investiga os crimes ocorridos durante a ditadura no Paraná. A escolha da cidade teve seus motivos: na região é a única a ter um cidadão entre os desaparecidos políticos e a forte atuação do movimento estudantil na época.

Quatro décadas depois, Beto Preto (PT), um dos filhos de Pedro e que hoje é prefeito de Apucarana, lembra que o simpático sorveteiro era na verdade um agente do Departamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, o Doi-Codi, uma das siglas mais temidas do regime, ao lado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). “Entraram no final da festa, numa boa, não teve agressão, não teve nada. Levaram ele, que ficou dez dias incomunicável, não sabíamos onde estava ou se estava vivo”, conta o prefeito, que tinha 7 anos na época.

Ainda puxando pela memória, Beto Preto lembra outra história daquele 12 de outubro: antes do fim do churrasco o quarteirão da casa estava cercado e o ex-deputado estadual José Domingos Scarpelini pulou o muro para oferecer uma possibilidade de fuga a seu pai. “Ele estava escondido numa Wariant, pulou o muro de trás, no meio de três cachorros Pastor Alemão, e disse: Olha Pedro, se você quer fugir, está aí o carro”, relata.

Pedro não fugiu e foi preso. Ficou oito meses em Curitiba e só não foi torturado no Dops porque o delegado responsável pelo “serviço”, que havia trabalhado em Apucarana, reconheceu vários presos da cidade [foram dez na Operação Marumbi] e “aliviou”. No processo que respondeu na Justiça Militar, Pedro Preto foi acusado de “aliciamento de menores para as fileiras do PCB”.

Narciso Pires, que presidiu a União dos Estudantes de Apucarana em 1968, foi preso seis vezes durante a ditadura militar. Uma delas foi na Operação Marumbi. “Eu fui sequestrado, preso e torturado no quartel do Exército aqui em Apucarana. Depois fui levado para Curitiba, para um local clandestino do Exército e fui torturado lá também”, conta. Pires, que era ligado ao PCB, lembra que foi um dos últimos presos da Operação Marumbi.

Antônio dos Três Reis: corpo nunca foi encontrado

Os restos mortais do estudante Antônio dos Três Reis de Oliveira, assassinado em maio de 1970, num “aparelho” – nome que as organizações de esquerda davam aos imóveis em que seus militantes se escondiam – no Tatuapé, na capital paulista, aos 21 anos de idade, até hoje não foram entregues à família. De acordo com o jornalista e empresário Baltazar Eustáquio de Oliveira, o “Taquinho”, irmão de Antônio, ele foi uma liderança estudantil de destaque na Apucarana do final dos anos 1960. Esteve no famoso congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) de 1968, realizado em Ibiúna, no interior de São Paulo, ao final do qual cerca de 700 lideranças estudantis de todo o país foram presas. Segundo Taquinho, depois de ser libertado, seu irmão entrou da clandestinidade.

Até chegar a esse congresso, ele tinha presidido a União dos Estudantes de Apucarana e foi diretor da União Paranaense dos Estudantes (UPE). Antonio pertencia à Aliança Libertadora Nacional (ALN), uma das muitas siglas de organizações que militavam na clandestinidade. Depois do Ato Institucional número 5 (AI-5), decretado em 13 de dezembro de 1968, para reprimir o movimento estudantil – cujas mobilizações de 68 incomodaram a ditadura – e todos os grupos oposicionistas, essas organizações partiram para a luta armada, mas foram esmagadas em pouco tempo.

Taquinho lembra que a família só conseguiu saber da morte de Antônio depois que contratou o advogado Luiz Eduardo Greenhalg – posteriormente deputado federal por São Paulo durante quatro mandatos –, que defendia presos políticos. O local onde está o corpo do estudante nunca foi revelado à família.

“Ditadura, seja da direita ou da esquerda, qualquer ditadura é horrível. Só quem vive ou viveu numa ditadura sabe o que significa. Ele [Antônio] teve esse engajamento e acabou metralhado no aparelho”, conclui Taquinho.

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