PAULO MELO CORUJA NEWS
A Polícia Civil de São Paulo errou ao cravar uma tese praticamente única para a chacina de cinco pessoas de uma mesma família,
na Brasilândia, semana passada, a despeito de provas técnicas que
sequer foram entregues ainda à equipe que investiga o caso no DHPP
(Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).
A análise foi feita ao UOL por dois especialistas na temática da violência: os sociólogos Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Ilana Casoy, criminóloga que há mais de uma década se dedica ao estudo de serial killers.
Ambos apontaram a falta de elementos de perícia que fossem capazes de respaldar a versão da polícia para a chacina: a de que o estudante Marcelo Bovo Pesseghini, 13, se matou depois de assassinar, cada um com um tiro na cabeça, o pai, o sargento da Rota (tropa de elite da Polícia Militar paulista) Luís Marcelo Pesseghini, 40, a mãe, a cabo da PM Andreia Pesseghini, 36, a avó, Benedita Oliveira, 65, e a tia-avó, Bernadete Oliveira, 55. Os corpos foram encontrados na noite do dia 5.
As primeiras declarações sobre as suspeitas que recaíam sobre o menino foram dadas pelo comandante da PM, coronel Benedito Roberto Meira, menos de 24 horas após a localização dos corpos. Para isso, o policial citou imagens de câmeras de segurança da rua do colégio onde Marcelo estudava e na qual foi encontrado o carro da policial.
No mesmo dia, o delegado da divisão de Homicídios do DHPP, Itagiba
Franco, citou trecho do depoimento de um suposto amigo de Marcelo
relatando que o filho dos PMs teria manifestado a ele o desejo de ser um
matador de aluguel, de matar os pais e fugir de carro.
Conforme participantes das investigações, Marcelo havia avisado sobre a intenção de matar os pais --ainda que, logo nos primeiros depoimentos, tenha sido retratado como um filho exemplar e bom aluno.
"Em um caso como esse, pode-se até dizer que a hipótese forte seja essa [a de que Marcelo cometeu os crimes], mas a polícia tinha de ter na mão outras três ou quatro e hipóteses e investigar todas", disse Mingardi. "Não se pode divulgar rápido, como foi feito, dando essa autoria quase que como certa --isso condiciona as coisas", completou.
"Ainda não há prova técnica, tudo é muito suposição. Cadê os laudos dos corpos para dizer quem morreu primeiro, e da forma como é dito que morreram? Não há, de fato, resquício de pólvora nas mãos do garoto? Há uma série de questões a serem respondidas. A polícia não poderia ter falado, muito menos a PM, que não é quem investiga. E a Polícia Civil tem que revelar, agora, o mínimo possível", disse.
A socióloga Ilana Casoy destacou uma lista de perguntas ainda não respondidas pela polícia –ao menos, não em público – e que, na opinião da estudiosa, não esclarecem um "aspecto fundamental" como o horário das mortes.
"A polícia trabalha pressionada a passar informações em conta-gotas, mas, para se reconstruir esse crime, precisa no mínimo determinar quando ele aconteceu. E um detalhe que me saltou aos olhos: a família morreu com a roupa que estava no tal churrasco que houve na casa, no domingo? Por que os PMs tinham um colchão na sala? O tal amigo que depôs vem de uma família estável, estruturada? O trabalho investigativo precisa, antes de mais nada, ser técnico", afirmou.
"Falar sobre depoimentos é frágil, não é suficiente. Principalmente
quando se trata de um caso onde as testemunhas são crianças e
completamente influenciadas por todo o noticiário que acontece há quase
duas semanas", declarou, para completar: "Se até em um júri se tem o
cuidado de não deixar que os sete jurados, adultos, não sejam
influenciados pela mídia [eles ficam incomunicáveis], o que dizer do
testemunho de uma criança de 13 anos que há duas semanas escuta a
polícia dizer que tem certeza que é o menino? É confiável esse tipo de
prova?", questionou.
Indagada sobre as opiniões de cidadãos que, seja no próprio noticiário, ou nas redes sociais, critica a hipótese da polícia de que Marcelo é o autor da chacina, Ilana definiu: "É porque o suposto autor não tem e nem pertence a algum grupo que tenha o estereótipo criminoso. Se tivesse antecedentes criminais, ou se fosse um menor desfavorecido e criado em uma periferia violenta, por exemplo, as pessoas aceitariam mais facilmente que foi ele. Aí o clamor da sociedade pela prova científica, e não de inferência, é muito maior", explicou.
Em nota, a assessoria de imprensa do DHPP preferiu não comentar as críticas dos entrevistados. "O DHPP respeita a posição de cada um deles, mas não se manifestará para preservar o processo investigatório e os depoimentos da testemunhas", diz o órgão.
Segundo o DHPP, no entanto, as investigações são acompanhadas pela Comissão de Segurança Pública da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e por dois representantes do Ministério Público (MP). Procurada, a Promotoria informou que "aguarda a vinda dos laudos e a conclusão do inquérito" para se manifestar. Já o representante da OAB, Arles Gonçalves Junior, não quis falar com a reportagem sobre o assunto.
Polícia errou ao cravar só uma tese para chacina, dizem especialistas
Janaina Garcia
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
13.ago.2013
- Muro da casa da família de policiais militares encontrados mortos em 5
de agosto, no bairro de Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo,
apresenta pichações nesta terça-feira (13). Após a frase "que a verdade
seja dita" ter sido escrita do portão da casa, outras incrições foram
pichadas, como "Paz e Justiça" e símbolos de gangues. A principal linha
de investigação da polícia do crime é a de homicídio seguido de suicídio
Leia mais Janaina Garcia/UOL
A análise foi feita ao UOL por dois especialistas na temática da violência: os sociólogos Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Ilana Casoy, criminóloga que há mais de uma década se dedica ao estudo de serial killers.
Ambos apontaram a falta de elementos de perícia que fossem capazes de respaldar a versão da polícia para a chacina: a de que o estudante Marcelo Bovo Pesseghini, 13, se matou depois de assassinar, cada um com um tiro na cabeça, o pai, o sargento da Rota (tropa de elite da Polícia Militar paulista) Luís Marcelo Pesseghini, 40, a mãe, a cabo da PM Andreia Pesseghini, 36, a avó, Benedita Oliveira, 65, e a tia-avó, Bernadete Oliveira, 55. Os corpos foram encontrados na noite do dia 5.
As primeiras declarações sobre as suspeitas que recaíam sobre o menino foram dadas pelo comandante da PM, coronel Benedito Roberto Meira, menos de 24 horas após a localização dos corpos. Para isso, o policial citou imagens de câmeras de segurança da rua do colégio onde Marcelo estudava e na qual foi encontrado o carro da policial.
Chacina da Brasilândia é esclarecida, diz polícia
Conforme participantes das investigações, Marcelo havia avisado sobre a intenção de matar os pais --ainda que, logo nos primeiros depoimentos, tenha sido retratado como um filho exemplar e bom aluno.
Ampliar
8.ago.2013
- Um dia após destacar que o adolescente suspeito de matar sua família
em São Paulo pode ter sido influenciado por uma famosa chacina ocorrida
em 1974 em Amityville, vilarejo dos Estados Unidos, o jornal britânico
"Daily Mail" destacou que Marcelo Pesseghini pode ter sido "a quinta
vítima de um massacre realizado por policiais criminosos que queriam
matar sua mãe". O jornal diz que "a polícia de São Paulo é amplamente
vista como uma das mais corruptas do mundo e que nos anos recentes
policiais se envolveram em vários escândalos" Leia mais Reprodução/Mail Online
"Polícia tinha de ter mais três ou quatro hipóteses"
Para os sociólogos, a polícia paulista deveria ter considerado mais hipóteses, logo de início, e aguardado o resultado de exames dos peritos nos corpos e no local antes de definir a provável autoria da chacina."Em um caso como esse, pode-se até dizer que a hipótese forte seja essa [a de que Marcelo cometeu os crimes], mas a polícia tinha de ter na mão outras três ou quatro e hipóteses e investigar todas", disse Mingardi. "Não se pode divulgar rápido, como foi feito, dando essa autoria quase que como certa --isso condiciona as coisas", completou.
"Ainda não há prova técnica, tudo é muito suposição. Cadê os laudos dos corpos para dizer quem morreu primeiro, e da forma como é dito que morreram? Não há, de fato, resquício de pólvora nas mãos do garoto? Há uma série de questões a serem respondidas. A polícia não poderia ter falado, muito menos a PM, que não é quem investiga. E a Polícia Civil tem que revelar, agora, o mínimo possível", disse.
A socióloga Ilana Casoy destacou uma lista de perguntas ainda não respondidas pela polícia –ao menos, não em público – e que, na opinião da estudiosa, não esclarecem um "aspecto fundamental" como o horário das mortes.
"A polícia trabalha pressionada a passar informações em conta-gotas, mas, para se reconstruir esse crime, precisa no mínimo determinar quando ele aconteceu. E um detalhe que me saltou aos olhos: a família morreu com a roupa que estava no tal churrasco que houve na casa, no domingo? Por que os PMs tinham um colchão na sala? O tal amigo que depôs vem de uma família estável, estruturada? O trabalho investigativo precisa, antes de mais nada, ser técnico", afirmou.
Socióloga escreveu sobre caso Richthofen
Autora de três livros ("Serial Killer, Louco ou Cruel", "Serial Killer Made in Brazil" e "O Quinto Mandamento", sobre o assassinato do casal Richthofen, em São Paulo), a criminóloga destacou que a chacina da família paulistana tem autoria cravada sobretudo a partir de depoimentos de testemunhas da idade do suposto assassino, 13 anos.Indagada sobre as opiniões de cidadãos que, seja no próprio noticiário, ou nas redes sociais, critica a hipótese da polícia de que Marcelo é o autor da chacina, Ilana definiu: "É porque o suposto autor não tem e nem pertence a algum grupo que tenha o estereótipo criminoso. Se tivesse antecedentes criminais, ou se fosse um menor desfavorecido e criado em uma periferia violenta, por exemplo, as pessoas aceitariam mais facilmente que foi ele. Aí o clamor da sociedade pela prova científica, e não de inferência, é muito maior", explicou.
Em duas semanas, 31 pessoas foram ouvidas
Até esta sexta-feira (16), delegados do DHPP que atuam no caso ouviram 31 testemunhas –entre familiares e vizinhos das vítimas, policiais que trabalhavam com o sargento, na Rota, e com a cabo, no 18º Batalhão da 1ª Companhia, além de colegas de escola de Marcelo e professores do menino. Para a polícia, a motivação está praticamente esclarecida: os alunos disseram que o filho dos PMs queria organizar um grupo criminoso chamado "Os mercenários" do qual, para fazer parte, teriam de matar alguém próximo.Em nota, a assessoria de imprensa do DHPP preferiu não comentar as críticas dos entrevistados. "O DHPP respeita a posição de cada um deles, mas não se manifestará para preservar o processo investigatório e os depoimentos da testemunhas", diz o órgão.
Segundo o DHPP, no entanto, as investigações são acompanhadas pela Comissão de Segurança Pública da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e por dois representantes do Ministério Público (MP). Procurada, a Promotoria informou que "aguarda a vinda dos laudos e a conclusão do inquérito" para se manifestar. Já o representante da OAB, Arles Gonçalves Junior, não quis falar com a reportagem sobre o assunto.