AUTISTAS ATENDIDOS POR FALSA PSICÓLOGA PODEM NÃO TER PROGREDIDO

PAULO MELO CORUJA NEWS

Autistas atendidos por falsa psicóloga
podem não ter progredido, dizem especialistas

Apesar disso, eles tranqulizam os pais ao dizer que possibilidade de regressão é pequena
Evelyn Moraes, do R7 
André Muzell / Do R7
André Muzell / Do R7
Beatriz Cunha usava carteira falsa de estudante de mestrado
As crianças autistas que foram atendidas pela falsa psicóloga Beatriz Cunha, de 32 anos, no Centro de Análise do Comportamento, em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, podem não ter progredido desde o início do tratamento, segundo especialistas ouvidos pelo R7. Eles defendem que é necessário conhecimento médico para aplicar técnicas específicas para esse tipo de deficiência. Os especialistas descartam, contudo, a possibilidade de traumas ou sequelas.

O neurologista infantil Adailton Pontes, que trabalha com crianças autistas no Instituto Fernandes Figueira da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), no Rio, diz que o autismo não pode ser tratado sem conhecimento médico.

- Qualquer pessoa sem qualificação não vai produzir nenhum benefício para a criança. Se ela não souber fazer o tratamento correto, o paciente não vai progredir. Há procedimentos específicos para cuidar de autistas. Se a pessoa não tem formação, ela não vai contribuir e a criança não obterá melhora. O marido dela, Nelson Antunes de Faria Junior, indiciado por coautoria, foi intimado a prestar depoimento na Decon na próxima quarta-feira (11).
Para Mônica Helena, presidente da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia e diretora do Departamento de Psicologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o curso de graduação é indispensável. Ela defende que formação acadêmica habilita o profissional a trabalhar na área.

- É necessário que o profissional tenha um curso de graduação, não necessariamente de especialização. A formação em nível de graduação já permite trabalhar com desenvolvimento atípico (autismo). Qualquer psicólogo pode tratar de criança autista.

Flávio Alheira, psiquiatra do hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), condena a atuação da falsa psicóloga. Segundo ele, cursos de especialização não são suficientes.

- O profissional tem que ter capacitação técnica para cuidar de qualquer paciente. Trata-se de área médica, de saúde pública. Quem não tem habilitação não pode trabalhar. É contra lei.

Técnica ensinada de forma errada

De acordo com o delegado Maurício Luciano de Almeida e Silva, titular da Decon (Delegacia do Consumidor), terapeutas e pais de pacientes de Beatriz disseram que ela os induzia a imobilizar as crianças, quando elas não queriam comer.

- A Beatriz instruía os terapeutas que trabalhavam com ela a fazer a chamada intervenção alimentar, método que, segundo as testemunhas, consistia em imobilizar as pernas e os braços da criança, colocar a colher na boca e não deixá-la cuspir. Este processo não existe em nenhum lugar. O momento da alimentação tem que ser um momento de terapia, onde a criança precisa relaxar.

Ainda segundo o delegado, os pais dos pacientes tratados na clínica de Beatriz ouviam gritos quando iam buscá-los.

- Ela induziu os pais a acreditarem que eles pudessem fazer isso em casa. Isso é uma imposição de sofrimento físico. O momento da refeição deveria ser um momento de relaxamento e não de tortura.

Carla Gikovate, neuropediatra mestre em psicologia pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), que está atendendo pacientes da clínica da falsa psicóloga, descarta a possibilidade de alguma criança ter regredido. De acordo com ela, a suspeita não usava técnicas aparentemente agressivas por maldade, e sim, porque a ABA (Applied Behavior Analysis), linha seguida pela falsa psicóloga, tem algumas exceções.

- A técnica do ABA é um pouco indigesta para quem vê de fora, porque você dá uma certa pressionada na criança. Mas a técnica é assim. Ela não fazia isso porque ela era má, mas porque a técnica mandava. Ela tinha conhecimento técnico e trabalhava com profissionais de ponta. Dificilmente, alguma criança regrediu. De qualquer forma, nada justifica a fraude e o absurdo de tentar ser aquilo que você não é. Ela não era uma pessoa tecnicamente ruim, mas não era psicóloga.

Apesar disso, Gilson Moreira, pai de um dos pacientes de Beatriz, que denunciou a falsária à polícia, disse que o filho regrediu. Igor conseguia andar normalmente no início do tratamento, mas atualmente só se locomove na ponta dos pés.

- Eu percebi que o Igor perdeu várias coisas que ele havia ganhado com outra terapeuta. A criança autista tem várias características como andar nas pontas dos pés e mexer as mãos o tempo todo. O meu filho, quando chegou à clínica, já não andava nas pontas dos pés. Depois de alguns meses, ele voltou a andar muito na ponta dos pés.

Prisão

Beatriz Cunha foi presa no dia 27 de abril, suspeita de estelionato, propaganda enganosa, exercício ilegal da profissão e falsidade documental. Ela foi solta três dias depois. No sábado passado (7), foi decretada sua prisão temporária, de 30 dias. A falsa psicóloga é suspeita de tortura. O novo inquérito foi aberto após denúncias de pais, que revelaram métodos considerados absurdos utilizados pela suspeita no tratamento a crianças autistas.