EX-GOLEIRO QUE ABANDONOU JOGO DO FLU REVELA ARREPENDIMENTO E LUXO NO IRÃ

PAULO MELO CORUJA NEWSWellerson se aposentou em 2003, aos 31 anos, e trabalha como técnico atualmente
Wellerson se aposentou em 2003, aos 31 anos, e trabalha como técnico atualmente
 

Ex-goleiro que abandonou jogo do Flu revela arrependimento e luxo no Irã

Renan Rodrigues
Do UOL, no Rio de Janeiro
A cena foi filmada por câmeras, mas os carregados contornos dramáticos do roteiro não foram obra de ficção. A falha, as vaias e o surto, tudo foi real naquela tarde de domingo nas Laranjeiras. Sem ensaio ou atores, apenas um arrependimento sincero ao voltar 16 anos no passado. É assim que o ex-goleiro Wellerson lida até hoje com lembranças de sua despedida do Fluminense, quando abandonou o clube no meio de uma derrota por 4 a 2 para o América-RN.
Wellerson foi uma das grandes promessas da base tricolor e viveu seu grande momento como titular na conquista do Carioca de 1995, o do ‘gol de barriga’ de Renato Gaúcho. A queda começou quando o time carioca ia mal na tabela do Brasileirão de 1997. A pressão da torcida aumentou e tudo isso somado criou um dos momentos mais singulares do futebol. Era um domingo nas Laranjeiras e, ao tentar encaixar um chute de longe e deixar a bola entrar, foi escrachado pelos torcedores. Após o apito final do primeiro tempo, quando o Tricolor perdia por 2 a 1 para o América-RN, disparou atordoado pelo gramado, empurrou um guarda e entrou no vestiário com a decisão já tomada: nunca mais defenderia o Flu dali por diante.
“Era uma cobrança muito grande, o time estava mal e meu filho nasceu prematuramente. Ficou 60 dias na UTI. E na época eu não desabafei com ninguém sobre meus problemas, não me blindaram, era um período meio ‘cada um por si’. Aquilo foi um momento de fraqueza, guardei tudo dentro de mim e explodi. Me arrependo até hoje, não repetiria olhando para trás”, disse Wellerson ao UOL Esporte.

'GOL DE BARRIGA' FAZ 18 ANOS E EX-FLU RELEMBRA RAP PARA R.GAÚCHO

  • Bruno Haddad/Fluminense FC
Substituído no intervalo, Wellerson deixou o estádio antes do fim da partida, num carro da Polícia Militar. Mas cumpriu a promessa e nunca mais atuou pela equipe carioca, tendo se transferido para o Americano. Ainda defendeu times como o Coritiba, Juventude e America-RJ, mas se aposentou em 2003, aos 31 anos de idade. A experiência serviu como aprendizado para a aposentadoria, quando tornou-se preparador de goleiros, e atualmente, treinador.
“Já passei isso para atletas meus durante treinos, expliquei que a pressão no futebol faz parte. Então, quando algum deles se enerva e ameaça sair de uma atividade, vou lá e converso, explico que não adianta perder o foco. Sei porque passei por isso”, contou o goleiro, que mora no Rio de Janeiro e ainda vai aos jogos do Fluminense, desta vez como torcedor.

SONHO DA CARREIRA DE TREINADOR COMEÇA INSPIRADO EM ABEL BRAGA

  • Bruno Haddad/Fluminense FC
    Wellerson concluiu recentemente um curso promovido pela CBF para comandar equipes e pretende começar a carreira inspirado no atual treinador do Fluminense, Abel Braga, com quem fez um estágio neste ano. O comandante tricolor deu dicas ao novato, que aposta nos bons e maus momentos nas Laranjeiras para transmitir ensinamentos e experiência aos seus futuros atletas.

    “Acho que vivi muita coisa e muito rápido. O título do Carioca de 95 foi a melhor situação profissional da minha vida. Lembro que o Aílton colocou a manchete do jornal no armário dele, dizendo que nossos contratados não valiam nem o meião deles [Flamengo]. Mas naquela mesma época passamos momentos de dificuldade. Hoje tudo funciona no clube, mas naquela época era só um time de futebol. Cheguei a ficar nove meses sem receber, era amor à camisa mesmo”, explicou o ex-arqueiro.
O amor ao Fluminense, porém, enfrentou outro teste de fogo enquanto ainda era jogador. Levou ‘calote’ de administrações passadas e teve que entrar na Justiça do Trabalho para receber salários atrasados e outros vencimentos não pagos. Chegou a fazer até um bico como entregador de tortas anos atrás para aumentar um pouco a renda da família.
“Eu tenho um amigo que tem uma loja de tortas na Barra da Tijuca. Ele teve uma demanda muito grande de entregas no final do ano passado e fui ajuda-lo com os pedidos. Rendeu uma graninha, mas foi mais pela camaradagem. Não posso reclamar da parte financeira. Deu para fazer meu ‘pé de meia’, soube poupar e nunca fui de gastar em noitadas. Após dez anos consegui um acordo com o Fluminense e pude ter um pouco de tranquilidade”.
Apesar do momento traumático com a saída do clube de coração e a aposentadoria precoce, Wellerson não conseguiu se desligar do futebol por muito tempo. Tornou-se preparador de goleiros e rodou o mundo. Trabalhou na seleção sub 20 do Irã e no Aris Salonica-GRE, mas foi no país do Oriente Médio que viveu novamente cenas de cinema. Jantares milionários, hotéis luxuosos, carros importados e um contato com uma cultura totalmente diferente.
“Fui convidado pelo René Simões [treinador do Atlético-GO] e topei na hora. A gente aprende que lá tem uma vida ótima para quem pode pagar, que não é aquela coisa de guerras que assistimos pela TV. Frequentei os melhores restaurantes da minha vida, mais caros e luxuosos. Tudo era pago pela Federação local. Carros, motoristas. No estádio só podia entrar homem, então existe um bosque com um jardim para as mulheres aguardarem o final do jogo com as crianças”, contou.
As defesas de Wellerson, agora menos plásticas que há 18 anos, ainda podem ser vistas nas peladas que disputa com amigos e ex-jogadores do Flu na Barra da Tijuca. Apenas por diversão, sem os fantasmas que o assombraram no passado. 
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