Depois de promulgar, nesta terça (13), a lei que modernizou o divórcio, o Congresso discute a aprovação de um “Estatuto das Famílias”. Prevê a atualização de leis elaboradas sob a ótica de relações familiares do final da década de 60.

O signatário do projeto é o deputado Sérgio Carneiro (PT-BA), o mesmo que patrocinou a emenda que facilitou o divórcio. “Queremos abrigar na lei todos os arranjos familiares dos dias atuais, legalizando-os”, diz ele.

Noutro projeto, Carneiro propõe descriminalizar as mães que rejeitam os filhos recém-nascidos. “Para salvar as crianças”, ele explica. Numa terceira proposta, sugere a equiparação de companheiros aos cônjuges.

Em entrevista ao blog, o deputado esmiuçou os projetos e informou em que estágio se encontra a tramitação legislativa. O "Estado das Famílias" já passou pela Comissão de Seguridade Social da Câmara. Foi à Comissão de Justiça. Aprovado ali, vai ao Senado. Leia abaixo:

 

- O sr. é descasado? Sou muito bem casado há 21 anos, mesmo tendo passado por uma separação. Enfrentei as duas etapas. Eu me separei e, um ano depois, tive de converter a separação em divórcio.
- Vem daí a inspiração para a emenda? Não. A proposta é de inspiração do IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família. Como advogado dessa área, sou associado ao instituto.
- Como se deu a apresentação da proposta? Quando cheguei ao Congresso, sendo membro do IBDFAM, eles se animaram a que tivéssemos uma participação legislativa. A emenda do divórcio não é a única que nós temos em tramitação.
- Quais são as outras? O estatuto das famílias, o parto anônimo e a equiparação da companheira e do companheiro ao cônjuge.
- Em que consiste o Estatuto das Famílias? Reúne os aspectos materiais e processuais do direito de família.
- Essa matéria já não consta do Código Civil? Sim. Mas repare que o Brasil tinha um Código Civil de 1916. O regime militar decidiu reformar esse código. Criou uma comissão de notáveis. Elaborou-se, em 1969, um novo código. Só em 1975 o projeto foi ao Congresso. Levou 25 anos para ser aprovado. Quando o legislador do ano 2000 votou a reforma do código de 1916, pegou um texto que refletia a sociedade do final da década de 60. Um tempo em que não havia internet nem celular. Esse projeto protegia apenas a família do matrimônio –papai, mamãe e filhinhos.
- O que se pretende reformar? Nossa proposta é a de retirar todo o livro 4º do Código Civil, que trata do direito de família, e acomodá-lo num Estatuto das Famílias.
- Por que ‘famílias”, assim, no plural? É para que o próprio título do estatuto já carregue o significado do que se pretende. Queremos abrigar na lei todos os arranjos familiares dos dias atuais, legalizando-os.
- As famílias ditais legais seriam equiparadas às informais? Exatamente. Dois irmãos e duas irmãs que moram juntos, sem cônjuges, formam uma família. Um tio ou uma avô que cuidam dos sobrinhos ou netos cujos pais morreram formam uma família. Um homem ou uma mulher separados, com os filhos das relação desfeita também formam uma família. Daí surgem a paternidade e a maternidade sócio-afetivas.
- O projeto cuida da fertilização em proveta? Sim. Cuidamos de dois tipos de fertilização in vitro: a homóloga, com material genético do casal; e a heteróloga, com material de terceiros. O doador anônimo de sêmen tem o ânimo de ser pai? Na nossa opinião, não. Do mesmo modo, a mulher que doa um óvulo não pode reivindicar depois o direito de ser mãe do feto gerado. A barriga de aluguel tampouco tem o ânimo de ser mãe. São essas questões, hoje tratadas apenas na jurisprudência, que nos ensejaram a fazer essas proposições.
- A equiparação em lei de todos os tipos de famílias geram conseqüência patrimoniais? Sim, patrimoniais, sucessórias e previdenciárias.
- O projeto trata da união entre homossexuais? A chamada união homoafetiva tinha sido incluída na proposta. Mas foi removida na Comissão de Seguridade Social.
- Por quê? Houve resistências. E chegamos à conclusão de que, para avançar, era melhor que o estatuto seguisse sem isso. Por quê? As defensorias públicas, o Ministério Público, o Executivo e o Judiciário já reconhecem o direito à união homoafetiva. Só o Legislativo não reconhece. Por exemplo: como a lei não proíbe a adoção por casais homossexuais, o STJ reconheceu recentemente, o direito de um casal homossexual de São Paulo à adoção de uma criança. Se incluímos o tema no projeto, vai que o Congresso proíbe coisas que a jurisprudência já reconhece. Seria um recuo. Melhor não mexer agora.
- O que diz o projeto do parto anônimo? Estamos retirando a responsabilidade civil ou criminal da mulher que não quer o filho.
- Pode explicar melhor? Teve uma mulher que envolveu o filho recém-nascido num saco plástico e jogou na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. Outra abandonou um bebê num matagal de Salvador. Outra jogou uma criança na lata de lixo em São Paulo.
- O que o projeto sugere? Que essas mulheres que desejam se livrar de seus bebês deixem de ser responsabilizadas civil e criminalmente. Elas vão poder se apresentar ao Estado, que vai lhes oferecer o pré-natal e assistência psicológica. Se ela não quiser o filho, o Estado providenciará uma família substituta, para a adoção. A mulher vai saber que a lei irá protegê-la, não criminalizá-la. Com isso, ajudamos as mães e, sobretudo, salvamos as crianças.
- O que diz o projeto que equipara companheiros aos cônjuges? Quando a pessoa é casada, ocorrendo a morte do marido ou da mulher, o cônjuge tem direito a 50% do patrimônio e concorre, na partilha dos outros 50%, com os filhos –chamados de herdeiros necessários—ou com os pais, na ausência de filhos. No caso dos companheiros, havendo a morte de um deles, isso não ocorre. O companheiro ou a companheiro é meeiro. Obtém apenas os 50%. Nós estamos propondo a equiparação de casados formais e de companheiros que vivem em união estável.
- Acha que esses projetos serão aprovados?  Rui Barbosa, senador baiano, institui o casamento civil no Brasil, na primeira Constituição da República, em 1891. Até então, só havia casamento religioso. O senador Nelson Carneiro, outro baiano, eleito pelo Rio, instituiu o divórcio em 1977. Levou 26 anos para conseguir. Em 2007, esse modesto deputado, outro baiano, propôs a modernização do divórcio. Foi aprovado em três anos. Então, entendo que essas propostas podem, sim, ser aprovadas. O Congresso não costuma ficar alheio ao interesse da sociedade e à repercussão na mídia, como houve no caso da emenda do divórcio.